O horário do treino em contexto desportivo é definido tendo em conta a disponibilidade das instalações, dos técnicos e dos atletas para treinar. Contudo, quando o desporto torna-se mais profissional, essa a escolha da hora do treino deve ser tratada como qualquer outra variável da equação.

Antes de debruçarmos especificamente no assunto, será importante perceber que todos temos um ritmo biológico adaptado ao ritmo do ambiente que nos rodeia. A maioria das pessoas está sincronizada com o ciclo de luz/escuro a que estão sujeitos, nomeadamente com a luz solar que são, ou não, expostas.

 

ritmo biológico

 

Por exemplo a nossa temperatura corporal cai cerca de 1º-2º C durante a noite, vai subindo de manhã até ao fim da tarde e cai novamente ao inicio da noite. O mesmo comportamento tem a média da nossa frequência cardíaca de repouso. Outros aspetos fisiológicos, como o ciclo de concentração sérica de várias hormonas,  possuem igualmente um ritmo diário.

 

ritmo temperaturaritmo FCritmoM:H

 

 

 

Estes ritmos podem ser alterados devido a diversos fatores, tais como a privação/excesso de luz solar ou alterações do horário de sono e de trabalho. Estas alterações ao ritmo biológico podem provocar problemas como, desde logo, a diminuição da performance desportiva, incapacidade de ter um sono reparador ou mesmo de dormir por completo, cansaço e exaustão, dificuldade em digerir os alimentos, alteração de humor, alteração da resposta a certas  drogas e medicamentos e diminuição da função sexual. Contudo, após um período mais ou menos longo de exposição a esse novo ritmo, o corpo adapta-se a essa nova condição. Embora, as diferentes funções fisiológicas do corpo humano possuem tempos de adaptação diferente, podendo ser de algumas horas ou vários dias.

 

 

ritmo testoritmo cortisol

 

Waterhouse et al., (2005), apresentam algumas evidências indirectas sobre a influencia do ciclo circadiano na performance desportiva, nomeadamente que a maioria dos recordes Olímpicos são obtidos no final da tarde, curiosamente quando a temperatura corporal é superior. Contudo, como  os próprios autores referem, este facto deve ser interpretado de forma cuidadosa, pois a maioria dos eventos desportivos ocorrem ao final da tarde de forma a terem uma maior audiência televisiva.

Muitos dos estudos laboratoriais sobre o efeito do ciclo circadiano na performance desportiva não permitem com rigor definir se na realidade existe essa influência. Pois desde logo a performance desportiva é multifactorial e não depende de uma resposta fisiológica única, nem de uma só capacidade (Waterhouse et al., 2005; Reilly & Waterhouse, 2009). Contudo, após análise da literatura, Waterhouse et al., (2005) referem que para desportos mais técnicos, onde a complexidade das tarefas e das instruções do treinador são mais importantes, parece que realizá-los, ou treiná-los, de manhã é mais eficaz. Já em desportos onde a componente física tem maior relevância, parece haver uma vantagem em realizá-los e treiná-los de tarde (16.00 – 20.00).

Contudo, nem sempre as provas competitivas se realizam na altura do dia ideal tendo em conta o ciclo circadiano. Quando isso ocorre devemos treinar no horário das provas por um período suficiente que permita uma adaptação do nosso organismo a esse horário (Chtourou & Souissi, 2012). Esta adaptação foi observada por Brown et al., (2008), em jovens remadores.

 

Em relação ao treino de força em contexto de fitness, as pessoas escolhem o horário para treinar igualmente tendo em conta múltiplos factores, embora o factor tempo/disponibilidade seja o preponderante. Contudo, alguns tentam optimizar a sua performance tentando ter em conta a hora do dia que treinam. Será que vale a pena?

Vários são os estudos que observam um variação diurna na capacidade de produzir força, sendo entre as 16.00 e as 20.00 o período onde essa capacidade é superior (Gauthier et al., 1996Gauthier et al., 2001; Castaingts et al., 2004Guette et al., 2005Nicolas et al., 2005Nicolas et al., 2005;Sedliak et al., 2008Araujo et al., 2011Teo et al., 2011) . Contudo, embora pareça haver uma maior capacidade de produzir força máxima na parte de tarde, parece haver uma maior capacidade de efetuar repetições da parte da manhã (Nicolas et al., 2005).

 

strengthclock

 

A capacidade para o sistema neuromuscular gerar tensão depende de vários factores, nomeadamente neurais (centrais e periféricos), estruturais, biomecãnicos e hormonais. Tendo em conta o ciclo circadiano, os mecanismos que são propostos como explicação para a variação diurna da capacidade de produzir força, são: i) os mecanismos neurais centrais, como a forma de comando do sistema nervoso central, o estado de alerta do sujeito e a sua motivação; ii) a mecanismos estruturais periféricos, tais como a capacidade contráctil e metabolismo musculares, a morfologia das fibras musculares e a temperatura local dos músculos; e iii) os mecanismos hormonais, como a flutuação diurna da concentração sérica de hormonas, como a testosterona e o cortisol (para referências ver Kuusmaa et al., (2015) .

Em relação à influencia dos mecanismos nervosos centrais e mecanismos estruturais parece haver uma influência de ambos na ocorrência de um ciclo circadiano na capacidade de produzir força (Gauthier et al., 1996), aparecendo entre eles a motivação como um aspeto importante no desfecho final (Giacomoni et al., 2005 ; Edwards et al., 2013). Contudo, os fatores estruturais parecem ter uma responsabilidade superior neste fenómeno (Castaingts et al., 2004;  Guette et al., 2005; Sedliak et al., 2008).

Igualmente, foi associado a alteração na temperatura corporal durante o dia e a maior capacidade de produzir força de tarde (Gauthier et al., 2001). Esse aumento da temperatura permite uma maior atividade enzimática, uma maior condução do estímulo nervoso, redução da viscosidade muscular e menor co-contração dos músculos antagonistas do movimento (Giacomoni et al., 2005). Consequentemente, o aumento da temperatura corporal facilitaria a capacidade contráctil muscular. Contudo, tentativas de aumento da temperatura corporal através de um aquecimento prévio não fez aumentar a capacidade de produzir força de manhã (Edwards et al., 2013).

Em relação aos factores hormonais, não foram observadas por  Teo et al., (2011)  nem por Kuusmaa et al., (2015) , uma relação entre as variações diurnas das concentrações sérias de testosterona e cortisol  e a variação diurna na capacidade de produzir força. Teo et al., (2011) , observaram em estudantes universitários um comportamento normal da concentração de testosterona e cortisol (superior de manhã e menor ao fim da tarde) e uma maior capacidade de produzir força entre as 16.00 e as 20.00. Igualmente, Kuusmaa et al., (2015), observaram que quer os sujeitos que possuíam maior capacidade de produzir força de manhã quer os que possuíam essa capacidade de tarde, e mesmo os que possuíam a mesma capacidade de manhã e de tarde, não variaram o ciclo normal de flutuação sérica hormonal. Desta forma, parece não haver relação entre a flutuação diária da concentração sérica de testosterona e cortisol e a capacidade de produzir força.

Contudo,   parece existir uma diminuição significativa do cortisol quando o treino de força é realizado entre as 16.00 e as 20.00, fazendo com que o racio testosterona cortisol seja superior (Bard & Tarpening, 2004). Hipoteticamente este aumento do rácio testosterona cortisol faria com que o organismo estivesse num ambiente anabólico mais favorável para a ocorrência de hipertrofia muscular. Contudo, este ambiente favorável não significa que possa existir hipertrofia muscular, pois esta é multifactorial e não depende só da resposta hormonal. Esta ideia é reforçada pelo estudo de Sedliak et al., (2009) onde não foram observados aumentos significativos da hipertrofia muscular entre sujeitos que treinavam de manhã ou de tarde e posteriormente confirmada pelo seu estudo de 2017 (Sedliak et al., 2017). Embora, Kuusmaa et al., (2016), observou um aumento significativamente superior na hipertrofia muscular nos sujeitos que efectuaram treino concorrente de tarde a partir das 13 semanas. De referir que a intervenção nos estudos de Sedliak e colaboradores foram de 10 e 11 semanas, respetivamente. Portanto, mais estudos são precisos para verificar se existe, ou não, influencia do horário de treino na hipertrofia muscular.

 

hipertrofiaclock

 

O que parece claro pela literatura é que o momento do dia habitual de treino interfere na capacidade de produzir força independentemente do cronótipo do sujeito. Ou seja, se um determinado sujeito treinar sempre naquele horário vai-se adaptar a ele e terá maior capacidade de produzir força nesse horário (Souissi et al., 2002Sedliak et al., 2008; Tamm et al., 2009Kuusmaa et al., 2015; Kuusmaa et al., 2016; Sedliak et al., 2017). Alguns factores são apontados para que isso ocorra, nomeadamente o treino de força poder regular alguns genes responsáveis pelo ciclo circadiano (Zambon et al., 2003), e a manutenção da atividade da enzima p70S6 kinase, que diminui ao fim da tarde, podendo compensar a diminuição nesse horário de outros factores que são apontados como responsáveis pela menor capacidade de produzir força no período da manhã (Sedliak et al., 2017).

Em termos de conclusão, ao nível do fitness parece existir evidências científicas que, embora exista uma maior propensão para produzir força no período da tarde (16.00 – 20.00), esse aspecto não influencia os ganhos de hipertrofia muscular ou de força. Existe, igualmente, evidências de que o nosso organismo adapta-se ao período de treino usualmente utilizado.

Pensem nisto!!!